A pergunta, na qual

Portuguese translation of ‘De vraag, waarin

by Bruno Castro Schröder / Ludovicus Barbara Mooren

 

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A pergunta se o ponto alto da vida mística deve ser buscado na iluminação do intelecto ou no amor da vontade é mais bem respondida na escola do Carmelo no sentido de que, em primeiro lugar, não se deve contrastar com demasiada nitidez o que está mais intimamente unido na natureza humana e também na natureza de Deus, em cuja imagem e semelhança o homem é criado, apesar da distinção entre os dois. A escola do Carmelo vê na união mística mais a perfeição da natureza humana do que a perfeição particular de suas capacidades. A escola do Carmelo aceita prontamente muitas das teses da escola que considera a iluminação do intelecto como a coisa mais elevada, mas está igualmente disposta a aceitar muitas das teses da escola que enfatiza o amor e a satisfação da vontade. Especialmente nas fases mais elevadas da vida mística, ela vê as duas capacidades se fundindo, assim ajudando e apoiando uma à outra, cooperando de forma tão íntima e constante que a questão de qual das duas é superior, a qual das duas deve ser concedida a coroa, é, de certa forma, um tanto desagradável para ela.

Enquanto escrevo este texto, ouço o barulho e o estrondo das Cataratas do Niágara. Essa cachoeira me revela maravilhosamente como a água, sujeita às leis da gravidade, flui para as partes mais baixas da Terra de acordo com a natureza de um líquido. Em minha [2] terra natal, o país das terras abaixo do nível do mar, os Países Baixos, não se conhece quedas d’água. Cheio de admiração, fico olhando para o estrondo das águas, que mergulham incessantemente do leito alto para o novo leito subitamente metros abaixo. Então, qual é a beleza, a verdadeira beleza dessa maravilha da natureza? A mente, metafisicamente inclinada ou instruída, pode se perder aqui ao contemplar a maravilhosa potencialidade da água de ser atraída pela massa muito maior da terra. Se a água não tivesse essa potencialidade muito específica que corresponde à sua natureza, se não tivesse esse impulso em direção ao centro de gravidade da Terra, a cachoeira não existiria. Se a água não tivesse o estado fluido, ela não se estouraria em gotículas e se tornaria igual a uma avalanche de neve. Se suas partículas não fossem suscetíveis à absorção e reflexão da luz, as massas de água não brilhariam como cristal, o arco-íris não estaria a nossos pés. Se a água não tivesse a resistência que tem, não trovejaria em nossos ouvidos quando nos aventuramos em suas proximidades. Também para nós, nos Países Baixos, a água é bela. Mas aqui, em uma única cachoeira cintilante, a água se revela em toda a sua glória e grandeza.

Mas não é assim que todo mundo considera as Cataratas. A maioria não as percebe dessa forma. Milhares de pessoas as admiram sem pensar na potencialidade da água, sem nunca ter ouvido falar dela [3]. Eles vêm aqui não para ver o esplendor da água, para admirar a riqueza de sua natureza, mas para admirar a visão grandiosa e imponente das águas que sempre se aproximam, caindo repentinamente com uma violência estrondosa e depois espirrando em nuvens que chovem a metros de distância, mas descendo novamente no rio espumoso. Eles ouvem o barulho e o estrondo e não se cansam de ouvir a música selvagem. Eles ficam maravilhados com o jogo de cores na água, não só por causa do arco-íris que aparece no meio dela quando o sol brilha, mas também por causa das cores que a água assume quando rola mais ou menos abundantemente sobre as paredes rochosas. Aqui ela é verde como esmeralda, ali é branca como prata, em outro lugar é cinza-pérola, em outros lugares ainda mostra o subterrâneo escuro das paredes rochosas.

Agora, pode-se dizer que há uma boa razão para que a primeira maneira de contemplar essa famosa cachoeira seja muito mais elevada do que a segunda, que a observação analítica proporciona uma satisfação muito mais nobre do que a segunda, que pode ser chamada de mais sensorial, mas somos seres humanos que possuem ambas as faculdades e nas quais ambas se ajudam e se complementam maravilhosamente. Preferiríamos que ambas as maneiras de ver as coisas fluíssem juntas e se reforçassem e confirmassem mutuamente. Tanto o objeto quanto o sujeito exigem confluência, não divisão. Não há dúvida de que quanto menos oposição fizermos aqui e quanto mais permitirmos que as capacidades, que são tão intimamente dependentes umas das outras, trabalhem juntas em nossa análise, mais elevado, mais nobre, mais rico e mais completo será nosso prazer com nossa natureza composta.

Agora, as pessoas podem dizer que usei uma imagem muito errada. Tratava-se da cooperação da vontade e do intelecto e agora estou apresentando uma imagem na qual a cooperação do sentido e do intelecto é mostrada. Inicialmente, acredito que esse exemplo ensina muito sobre a relação entre o intelecto e a vontade. Ele mostra que não devemos ter muito em vista a oposição, mas muito mais a confluência das capacidades em nossa natureza constituída.

Mas há algo mais. Volto à água que se derrama diante de mim. Ela também é uma imagem de nossa natureza. Essa maravilhosa cachoeira é visitada por milhões de pessoas por sua beleza incomparável. Eu, por mim, prefiro olhar para o lado mais profundo desse maravilhoso fenômeno natural; não são apenas meus olhos e ouvidos que são cativados, mas muito mais meu intelecto, que reflete sobre o que Deus colocou na água. Não vejo apenas a riqueza da natureza da água, sua potencialidade incomensurável, vejo Deus trabalhando na obra de Suas mãos e na revelação de Seu amor. No entanto, meus ouvidos e olhos também são cativados e continuo voltando para ver e ouvir. Tenho muitos momentos em que o último prazer prevalece.

 


  1. Datilografado (NCI OP88.7) sobre ‘Mount Carmel College. Padres Carmelitas. Niagara Falls, Ontário’, papel timbrado, 4 páginas A5, sem título. Este texto foi escrito em agosto de 1935, no convento carmelita próximo a Niagara Falls. No verão de 1935, Titus Brandsma visitou a América do Norte. Ele foi convidado pela Universidade Católica de Washington, pela Mount Carmel High School, em Chicago, e pelo Mount Carmel College, em Niagara Falls, para uma série de conferências sobre mística carmelita.

 

Tradução de Bruno Castro Schröder e Ludovicus Barbara Mooren (Belo Horizonte, 2023)

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